domingo, 10 de junho de 2012

Revista Marie Claire "Tirei meu filho do isolamento do autismo"

A professora Anita Brito ouviu os médicos afirmarem que seu filho jamais voltaria a falar. Diagnosticado como autista, o menino ficou mais de um ano sem se expressar. Com uma rotina caseira de estímulos diários, Anita conseguiu trazer o filho de volta. Hoje, Nicolas tem 13 anos, lê, escreve, conversa e frequenta um colégio regular. E segue autista

Por Depoimento a Letícia González
"Uma das psicólogas
me disse que ele era retardado. Outra, mimado"
Editora Globo
NUNCA DESISTI DE CONVERSAR COM NICOLAS E TENTAR ENTRAR NO SEU MUNDO. HOJE, AOS 13, VEJO QUE ELE SEGUE EVOLUINDO
“Nicolas nasceu sem emitir nenhum som. O parto foi difícil, depois de um longo dia de contrações que terminou com uma cesárea. Assim que puxaram o bebê, ele não chorou. Tiveram de levá-lo para longe de mim, dar-lhe oxigênio para, só então, trazê-lo de volta. Quando o peguei no colo, ele chorava aos gritos. Foi então que comecei a falar baixinho e dizer a ele que eu era sua mãe, até que se acalmou. Foi a nossa primeira conversa. Nicolas se destacava dos outros recém-nascidos da maternidade pelo tamanho — havia nascido com 4,140 kg e 56 cm — e era um bebê lindo. Já na nossa casa em Jandira, no interior de São Paulo, arrancava elogios das visitas, que diziam: ‘Como é quietinho’.
Depois dos primeiros meses, essa característica começou a me preocupar. Nicolas tinha de ser alimentado de três em três horas, mas nunca chorava à noite para mamar. Eu é que tinha de acordá-lo. Também nunca tinha cólicas e ficava em silêncio no berço por horas, olhando para o teto. Quando tinha febre ou dor, respirava com dificuldade e essa era a única maneira de saber que estava doente. Um dia, quando ele tinha 4 meses, eu o coloquei no berço, liguei uma música e comecei a arrumar o quarto. Como tinha o hábito de conversar com ele, fui falando e, sem pensar, me peguei dizendo ‘Você não dá trabalho mesmo, hein, filho? Será que há algo errado?’. Foi a primeira vez que cogitei a hipótese de ele ter um problema.
Aos 6 meses, Nicolas olhou para mim e disse sua primeira palavra: ‘Tata’. Foi estranho o jeito que pronunciou as sílabas. Parecia correto demais. Achei que novas palavras viriam em seguida, como ‘mamãe’, ‘papai’, mas ele só voltou a falar no ano seguinte. Aos 9 meses, aprendeu a andar. Esse sinal de desenvolvimento, no entanto, contrastava com a sua falta de rea­ção a estímulos: não respondia a barulhos — a menos que fossem fortes e inesperados, o que o fazia chorar muito —, não dava atenção a pessoas que falavam com ele — para agonia das avós — e nem se mexia quando ganhava um brinquedo novo. Isso me levou a buscar na internet informações sobre autismo. Ele era pequeno demais para mostrar os sintomas clássicos, mas mesmo assim mencionei o assunto com meu marido, Alexsander, e depois com a pediatra. Alex me chamou de doida e a médica, de ‘mãe de primeira viagem’. Para reforçar, disse: ‘Seu filho é o bebê mais lindo que já vi, fique tranquila’. Aquilo não me acalmou, mas me fez pensar que talvez eu estivesse exagerando. Naquela noite, além do autismo, pesquisei também sobre uma síndrome que faz as mães fingirem que os filhos estão doentes para chamar a atenção para si. Mas eu não me via nas descrições. O que via, a cada noite de insônia passada em frente ao computador, eram semelhanças entre as atitudes de Nicolas e o autismo.
Crianças autistas podem ter pouca ou nenhuma interação com o mundo à sua volta, costumam ter fixação por assuntos específicos, têm raciocínio lógico (mas, muita vezes, inflexível) e parecem escutar apenas quando algo lhes interessa. Não há uma causa definida para a doença, mas a influência genética atualmente já é comprovada por estudos e aceita pelos médicos. Com 1 ano, Nicolas seguia regras sem contestá-las e aprendia com facilidade a diferença entre o certo e o errado. Com 1 ano e meio, expliquei a ele uma única vez como se usava o banheiro e, a partir desse dia, ele nunca mais usou fraldas. Outra coisa que ficou clara na época foi a sua paixão por objetos que giram. Ele ia sozinho até a lavanderia para assistir ao ciclo da máquina de lavar e, como também adorava o ventilador, costumava sentar-se atrás dele — eu o havia proibido de ficar de frente para o vento e ele nunca desobedecia. Quanto à fala, começou repetindo frases de desenhos animados. Ele não criava frases próprias e nem respondia às conversas. Tanto que minha mãe chegou a suspeitar que fosse surdo. Um dia, quando ela foi nos visitar, fiz o teste e falei baixinho: ‘Nicolas, olha para cá agora senão vou ficar chateada’. Ele, que estava brincando bem afastado de nós, largou o brinquedo e olhou.
Quando Nicolas completou 2 anos e meio, decidi levá-lo a uma psicóloga. Em quatro sessões, ela o diagnosticou como retardado mental e disse que jamais frequentaria a escola. Discordei, pois, em casa, ele agia com esperteza, só que do seu jeito. Ela tentou me consolar: ‘Sei que é difícil ouvir isso, você vai entrar em negação’. Depois disso, voltei a abordar o assunto com a pediatra, mas ela insistia que ele era perfeitamente normal. Troquei de médico e ouvi a mesma coisa. Quando meu filho já tinha 3 anos, tentei uma segunda psicóloga. Dessa vez foi pior. Nicolas, dizia, era mimado. ‘Quando vocês pararem de superprotegê-lo, ele vai se desenvolver’. Tentamos colocar Nicolas na escolinha, mas ele chorava do momento em que o deixávamos à hora da saída.
O diagnóstico definitivo só viria quase um ano depois, infelizmente­, por causa de uma doença. Aos 3 anos e 8 meses­, Nicolas desenvolveu uma inflamação­ nos vasos sanguíneos­ chamada Púrpura­ de Henoch-Schönlein­, que pode levar à morte­. Numa noite­, descobrimos um hematoma que cobria quase toda sua nádega e piorava­ de hora em hora. Eu perguntava­ sobre tombos­, batidas, mas não conseguia arrancar­ dele nem um ‘sim’ ou ‘não’, suas respostas habituais. No consultório­, assim que o médico o apalpou, Nicolas começou a gritar: ‘Ai meu Deus, que dor!’, com a mãozinha apoiada sobre a barriga. Houve­ correria­ na clínica quando o pediatra, que estava calmo­ até aquele­ instante, ordenou a uma das enfermeiras­: ‘Corre­ e prepara 20 ml de ...’. Nessa hora, não escutei mais nada. Segurei a mão de Nicolas e tentei­ consolá-lo, mas, na verdade­, pensava também em mim. Tive uma infância difícil numa casa com seis irmãos, e só consegui sair da pobreza­ depois de trabalhar e estudar­ muito­. Naquela época, eu e meu marido cuidávamos de nossa­ escola­ de inglês juntos e havíamos chegado­ a um patamar confortável­ de vida­. Aquela era a fase mais feliz­ da minha vida e a crise me fez ter medo­ de perder tudo.

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