sexta-feira, 30 de julho de 2010

REPORTAGEM - AUTISMO: UM CONVITE À ESPERANÇA


Agradeço muito a indicação desta reportagem à Patrícia Lourega.
Obrigada pelo apoio!

A criança não balbucia uma palavra, não aponta objetos, não olha nos olhos das pessoas. São sinais típicos do autismo, doença que não tem cura e é vista por muitos como uma sentença definitiva.

Veronica Bird, 42 anos, brasileira radicada nos Estados Unidos e mãe de um garoto com o problema, também achava que autismo era o fim de tudo. Não acredita mais nisso - e ninguém acreditaria mesmo, ao ver seu filho Ramsey, 7 anos. 'Ele vai à escola, tem amigos, faz esportes, é superamoroso', conta Veronica, ex-atriz que decidiu assumir grandes papéis na vida: cuidar do filho e da Veronica Bird Charitable Foundation, entidade divulgadora do autismo, com escritório também no Brasil, no Rio de Janeiro. Nesta entrevista a CRESCER, ela explica sua visão do problema e conta sua experiência.

Quando você soube que seu filho era autista?

Quando Ramsey tinha quase 2 anos de idade, de repente, ficou diferente: parou de falar, não olhava para mim, parecia totalmente surdo e batia os bracinhos como se fossem as asinhas de um beija-flor.

Levei- o a três pediatras e ninguém descobria o que ele tinha. Um desses médicos, porém, achou que Ramsey tinha uma quantidade de secreção anormal nos ouvidos e por isso não escutava. Receitou para ele um antiinflamatório. Depois das primeiras doses, ele disparou a falar. Achei estranho e consultei um médico otorrino, que não encontrou nada no ouvido do meu filho. Aí, fui parar no chefão do setor de pediatria neurológica de um famoso hospital, o Johns Hopkins Medical School.

Esse neurologista fez vários exames em Ramsey e diagnosticou o autismo regressivo, uma forma da doença que faz a criança perder habilidades que já tinha. Ele disse que o antiinflamatório que Ramsey havia tomado, chamado prednisona, estava em estudos para o tratamento de crianças autistas, que essa droga as fazia falar. O remédio tinha funcionado no meu filho.

Como você reagiu à notícia?

Chorei muito. Ao mesmo tempo, acho que liguei um piloto automático e comecei a agir. Minha família deu apoio, mas meu marido e a família dele não admitiam o problema. Nos Estados Unidos, tudo que se refere à saúde mental é tabu. As pessoas fazem segredinhos. Eu, ao contrário, decidi aprender tudo sobre autismo e fui constatando que essa doença não é o fim de tudo.

Como Ramsey foi tratado?

Após o diagnóstico, ele passou a freqüentar uma sala de educação especial com outras crianças autistas. E tomou a prednisona por cinco meses. Começou a falar e a escutar. Melhorava cada vez mais. Era a primeira vez que se usava o remédio numa criança com a idade dele, 2 anos na época. Algumas crianças autistas reagem bem a essa droga, mas ela ainda não foi aprovada para o tratamento da doença. Ninguém sabe por que funciona, e o remédio pode ter efeitos colaterais graves e levar à morte. Jamais deve ser tomado sem indicação médica.

O que funcionou mais, o remédio ou a educação especial?

Provavelmente, a combinação das duas coisas. Com os progressos do meu filho, descobri que o autismo é o resultado de uma desordem neurológica que afeta o desenvolvimento do cérebro. Por exemplo, uma criança de 3 anos aprende automaticamente a falar, comprimentar os outros, ir ao banheiro. Se tem autismo, não aprende assim, porque seu cérebro não está se desenvolvendo como deveria. É essencial que ela tenha uma educação especial intensiva, como o Applied Behavior Analysis (ABA) ou o Lovass. São métodos que induzem a uma forma de comportamento.

Quando a criança faz o que se pede, ganha uma recompensa. O ABA é utilizado no Brasil pela Associação de Amigos do Autista (AMA) e pelo Centro de Referência e Apoio às Desordens do Desenvolvimento (CRADD). A criança com autismo precisa aprender tudo desse jeito e pela repetição, nem que seja fazendo cem vezes a mesma coisa.

Como está seu filho hoje?

Ramsey não precisa mais de tratamento. Tem limitações mínimas, puramente sociais. Por exemplo, tem amigos, mas nunca inicia uma amizade. Só fala do que interessa a ele, pois não percebe que o outro tem interesses. Mas é um garoto feliz, à maneira dele. Faz tudo sozinho. Estuda, lê e resolve cálculos melhor que outras crianças. Ele e meu outro filho, o Ryan, que tem 8 anos, têm uma professora de português. O Ramsey está aprendendo mais rápido, e o Ryan reclamou. Eu disse a ele: 'Você faz tanta coisa a mais do que seu irmão. Por que ele não pode fazer também?'.

Seu envolvimento com o autismo ajudou seu filho?

Foi tão importante quanto o apoio clínico e educacional. E também o fato de o diagnóstico ter sido precoce e ele ter tido acesso a um colégio apropriado já aos 2 anos de idade. Isso é essencial para a criança autista progredir, pois seu cérebro está se desenvolvendo até os 5 anos. Se todas as crianças autistas tivessem essa chance, muitas delas estariam mil vezes melhor. Se vocês conhecessem meu filho, não perceberiam nada. Tecnicamente, não posso dizer que ele está curado, pois o autismo não tem cura. Mas me dêem o nome de dez pediatras para eu levá-lo a uma consulta e, garanto, todos vão dizer que ele não tem nenhum problema.



Filme da vida real

Veronica Bird registrou em vídeo a evolução do tratamento do seu filho Ramsey. A produção deu origem ao filme The different shades of autism (As diferentes formas de autismo), feito para orientar médicos, pais e psicólogos a reconhecer os primeiros sinais da doença. O trabalho foi aprovado pela academia pediátrica norte-americana, ganhou vários prêmios e tornou-se um recurso adicional de ensino nas escolas de medicina. 'No Brasil, estou buscando uma parceria com o governo federal para reprodução e distribuição do filme em português. Meu objetivo é que, em menos de um ano, ele esteja nas universidades e bibliotecas, com os pediatras e pais', diz Veronica.

Para saber mais:


Fundação Veronica Bird, Avenida das Américas, 700, sala 229, bloco 6, Citta America, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, CEP 22640-100, Tel: (21) 3803-8080 /3803-7765 /3803- 7145, e-mail vbcf@citta-america.com, www.aheadwithautism.com (com versão traduzida para o português).


Fonte: Revista CRESCER  e blog
FILHO ESPECIAL!

Rede Jurídica de Autismo (UK)


A National Autistic Society (NAS) do Reino Unido enfatizou a sua campanha legal, com o lançamento do “ Autism Legal Network” (Rede Jurídica de Autismo) e um apelo para serem apresentados os casos com potencial para mudar a lei para o meio milhão de pessoas com autismo no Reino Unido.

Mark Lever, director executivo da NAS, disse: "O NAS está a evoluir. No ano passado tivemos sucesso ao ver aprovado o Autism Act. No entanto, a campanha no actual clima económico e político vai ser mais difícil. O “Autismo Legal Network” irá desempenhar um papel fundamental e estratégico para o nosso sucesso futuro. Defender os direitos das pessoas com autismo através dos tribunais vai aumentar drasticamente o alcance e o impacto da nossa campanha. Nós iremos trabalhar com advogados para tentar estabelecer precedentes legais e criar uma mudança real e duradoura para pessoas com esta séria condição, incapacitente e para toda a vida. "

Em particular, a NAS está a apelar para os casos que visam a combater a falta de ajuda devastador para a mais de 70% das crianças com autismo, que também têm um problema de saúde mental. O apelo vem depois da campanha de caridade “You Need To Know “, que descobriu que os serviços de saúde mental não presta ajuda a cerca dois terços das crianças com a doença.

O Autism Legal Network baseia-se no sucesso da campanha legal da NAS, iniciada com o caso do alto nível de Gary McKinnon e a intervenção no Supremo Tribunal Federal no início deste mês, no caso A. Versus Essex. Este último foi bem sucedido ao estabelecer um precedente legal sobre o direito à educação para todas as crianças com deficiência. Como resultado, os concelhos que deixarem uma criança com autismo sem qualquer educação correm o risco de vir a ser processados por um juiz por violação dos direitos humanos da criança.
 tradução do blog AIA!

SOCIAL Autism, 28 Jul 2010 - 15:28

A national charity is hoping to bring about changes in the law to help the half a million people in the UK who are affected by autism
The National Autistic Society (NAS) has ramped up its legal campaigning with the launch of a new Autism Legal Network and is calling for cases with the potential to change the law.
Mark Lever, chief executive of the NAS, said: "The NAS is evolving. Last year we successfully secured the landmark Autism Act. However, in the current economic climate political campaigning is only going to become more difficult.
"The Autism Legal Network will play a key and strategic role in our future success. Championing the rights of people with autism through the courts will dramatically increase the reach and impact of our campaigning.
"We'll be working with lawyers to try and set legal precedents and create real and lasting change for people with this serious, lifelong and disabling condition."
In particular, the NAS is appealing for cases that will help to tackle the lack of help for the more than 70% of children with autism who also have a mental health problem. The call comes after the charity's You Need To Know campaign, published last month, found that mental health services failed to help two thirds of children with the condition.
The network plans to build on existing legal campaigning by the NAS, begun with the high profile case of Gary McKinnon. The NAS also intervened in the Supreme Court earlier this month in the A v Essex case, which successfully set a legal precedent over the right to education for all children with disabilities.
As a result of that case, councils which leave a child with autism without any education, risk being held by the courts to have breached that child's human rights.
The NAS Autism Legal Network is open to legal professionals, charities and academics with an interest in autism. For further information visit www.autism.org.uk/legalcampaigning or email legal.development@nas.org.uk.
Autism is a lifelong developmental disability that affects how a person communicates with, and relates to, other people. It also affects how they make sense of the world around them. It is a spectrum condition, which means that, while all people with autism share certain difficulties, their condition will affect them in different ways. The NAS provides a wide range of services to help people with autism and Asperger syndrome live their lives with as much independence as possible. For more information go to www.autism.org.uk.

Reportagem Revista ÉPOCA: Como lidar com os distúrbios mentais na infância

Eliseu Barreira Junior
 Shutterstock 
Os craques santistas Neymar, Paulo Henrique Ganso e Robinho são os três ídolos de João*, de 8 anos. Assim como muitos garotos da sua idade, ele adora futebol e toda semana se reúne com os coleguinhas de escola para jogar uma "pelada". "Sou meia-atacante", diz orgulhoso. Na vida de João, porém, o esporte é mais que uma paixão ou divertimento. É uma forma dele se socializar e superar as dificuldades de um grave transtorno de desenvolvimento que já trouxe muita preocupação para sua mãe, a engenheira química Cláudia*.

O filho tão desejado por Cláudia nasceu em um parto complicado. Por causa disso, ele teve de ficar internado durante dez dias antes de ir para casa com a mãe. Conforme crescia, João demonstrava um comportamento pouco comum: não sorria para os familiares, não gostava de contato social, era agressivo com os pais sem motivo, não reagia afetivamente e não falava. Para a família, tudo aquilo parecia natural, coisa de criança. Até que, ao completar 1 ano e 8 meses, ele passou a frequentar um berçário. No ambiente escolar, ficou evidente que havia algo de errado: João batia nas outras crianças, não gostava das professoras e evoluía de modo incompatível com a sua idade. Os profissionais do berçário recomendaram então que Cláudia procurasse ajuda médica.

Levado a um psicólogo, foi constatado que João apresentava traços de uma criança autista, apesar de não ter autismo. O diagnóstico: Transtorno Global do Desenvolvimento. Sob o nome, estão incluídos graves distúrbios emocionais e transtornos relacionados à saúde mental infantil. "Os problemas dessas crianças não vêm necessariamente de uma debilidade intelectual nem de uma debilidade física", afirma Maria Cristina Kupfer, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) e estudiosa da psicose e autismo infantis há mais de vinte anos. "Seus problemas vêm de uma falha precoce no estabelecimento da relação com os outros."

Isso quer dizer que, para crianças como João, a construção do psiquismo voltado para o convívio social não se fez convenientemente. Nosso psiquismo (ou nossa personalidade) é construído para ser um instrumento de relação com os outros, uma espécie de porta aberta para o mundo. "A falha nesse processo é resultado das dificuldades, acidentes, entraves ou impasses ocorridos durante o processo de estruturação subjetiva da criança", diz a psicanalista Enriqueta Nin Vanoli, da equipe multidisciplinar da Associação Serpiá (Serviços Psicológicos para a Infância e Adolescência), de Curitiba (PR).

A análise do histórico de vida de João pode ajudar a entender como o problema se desenvolveu. Cláudia conta que o fato do menino não corresponder aos carinhos que recebia ainda bebê, evitar o seu olhar e não esboçar nenhum tipo de sentimento criou uma barreira entre ambos. Ela sonhara com um modelo ideal de criança a que João não correspondia. A frustração impedia uma proximidade, uma relação genuína de mãe e filho. "Era como se o João fosse uma criança qualquer. Apesar de estar ao seu lado fisicamente sempre, não conseguia me aproximar emocionalmente. Ele cresceu isolado de mim", afirma. Cláudia acredita que o problema no parto, de certa forma, criou uma ferida psicológica que marcou o garoto. "A verdade é que eu também tinha dificuldade de amar meu filho, talvez pelo meu histórico familiar. Cresci num ambiente em que as pessoas eram muito fechadas. Costumava me julgar uma pessoa carinhosa, mas dar carinho é diferente de dar amor."

O relato de Cláudia revela dois elementos que os especialistas costumam notar em casos em que o Transtorno Global de Desenvolvimento é diagnosticado. Em primeiro lugar, há uma enorme dificuldade para os pais aceitar o não-olhar dos filhos, interpretado como falta de afeto por parte da criança. Em segundo lugar, o problema sempre envolve o menor e o adulto responsável por sua criação, ou seja, ele não pode ser concebido como um fenômeno que acontece com somente uma pessoa. “É preciso tomar cuidado, porém, para não culpar os pais, porque são coisas que não costumam passar pela consciência deles”, diz Jussara Falek Brauer, professora aposentada e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas dos Distúrbios Graves na Infância do IP-USP. “A criança pode estar respondendo a algo de errado que está na mãe e que, às vezes, nem a própria mãe sabe que tem. Só por meio de análise é possível descobrir o que está acontecendo.”

Um estudo epidemiológico feito em 2008 pelo pesquisador americano Myron Belfer mostrou que até 20% das crianças e adolescentes sofrem de algum transtorno mental grave. Se for considerado o espectro autístico, pode-se falar em uma criança em cada 150, de acordo com a agência Centers for Disease Control e Prevention (ou CDC), do departamento de saúde e serviços humanos dos Estados Unidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta uma taxa de 12% a 29% de prevalência de transtornos mentais na infância. De forma geral, a incidência de distúrbios como o de João é maior em meninos do que em meninas. Diagnosticar problemas psiquiátricos em crianças, no entanto, costuma ser difícil. "A partir de seis meses de idade, uma criança já pode mostrar sinais de autismo, como o não-olhar para a mãe, mas isso isoladamente não quer dizer que ela vá se tornar autista", afirma Maria Cristina. "É muito perigoso pegar um rótulo e colocar num bebê, porque ele vai procurar responder àquilo que todo mundo está falando que ele tem", diz Jussara.

Daí a necessidade de um diagnóstico feito por profissionais especializados. "Um bom acompanhamento médico é fundamental. Ele envolve um trabalho que deve considerar uma série de fatores, além da sutileza e singularidade de cada caso", diz Enriqueta. Foi o que aconteceu com João. Após a primeira consulta médica, ele já começou um tratamento que buscava reatar o diálogo perdido com os outros. Sua mãe também passou a se consultar com a mesma psicóloga responsável pelo acompanhamento do filho. "Nas sessões, eu aprendi como superar as minhas dificuldades de relacionamento com ele", afirma Cláudia.

Trabalhar a mãe e a criança com o mesmo profissional, mas em sessões individuais, é um dos segredos para o sucesso do tratamento. "Esse trabalho conjunto vai na direção da reconstituição da história familiar. A partir dele, tenta-se desfazer o emaranhado que cria problemas para a criança", afirma Jussara. A experiência da professora da USP mostra que 90% dos 105 menores que atendeu ao longo de sua pesquisa clínica na universidade deixaram de apresentar os sintomas que os levaram ao médico pela análise e correção do que havia de errado entre mãe e filho.

Seis anos após o início do tratamento, João leva hoje uma vida normal. Ele vai a uma escola comum – João está na segunda série do ensino fundamental de um colégio particular de São Paulo – , estuda inglês e, além de futebol, pratica natação e capoeira. Agora, convive bem socialmente, não se isola mais, gosta de conversar e qualquer dificuldade que tem recorre à ajuda da mãe. "Ele aprendeu a expressar muito bem o que sente. O distanciamento que existia antes acabou", diz Cláudia. Como João demorou para desenvolver seu lado social, o menino ainda apresenta algumas reações que não são adequadas, como querer exclusividade quando está brincando com um amiguinho.

Para mudar comportamentos como esse, ele frequenta duas vezes por semana a Associação Lugar de Vida, dedicada ao tratamento e à escolarização de crianças psicóticas, autistas e com problemas de desenvolvimento. Localizado no Butantã, na zona oeste de São Paulo, o Lugar de Vida iniciou suas atividades em 1990 como um serviço do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do IP-USP. Lá, João participa de Grupos de Educação Terapêutica (GETs) com outras crianças. Há dois focos de trabalho nos GETs: o primeiro compreende atividades como movimentação em brinquedos de grande porte, corridas, jogos de pátio com regras simples, encenação de pequenas peças, aprendizado de músicas e escuta de relatos de histórias – atividades, em geral, de cooperação grupal para o desenvolvimento do laço social; o segundo foco é na escrita e compreende atividades para o desenvolvimento do desenho, do grafismo e da superação das dificuldades de alfabetização. Para os pais, há uma reunião uma vez por semana em que eles podem conversar sobre os problemas dos filhos com a mediação de uma psicóloga. Nos encontros, compartilham suas dúvidas, obtêm esclarecimentos e trocam experiências."É bom participar desse tipo de reunião porque a gente percebe que não está sozinha nisso", afirma Cláudia.

Contar com o auxílio de bons profissionais e abraçar o problema para superá-lo – sem buscar um culpado – foram os principais elementos para a melhora do filho, segundo Cláudia. “Se o pai e a mãe não estão ali para ajudar, nada adianta. No começo, eu e meu marido ficamos muito atormentados com o que estava acontecendo, e juntos conseguimos enfrentar a situação”. A mãe coruja diz que João já sabe o que quer ser quando ficar mais velho: jogador de futebol do Santos, seu time do coração. O menino que antes não sabia se relacionar se apaixonou por um esporte em equipe e ensinou sua mãe a amá-lo.

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade do menor e da mãe

Seminário sobre autismo tem vagas limitadas

Restam poucas vagas para o Seminário sobre Autismo Grave que será realizado no auditório do Campus SETREM, nos dias 14 e 15 de agosto. Dirigido a familiares de autistas, bem como estudantes e profissionais da área da saúde, serviço social e educação, almeja oportunizar importante debate e ampliação de conhecimentos.
O evento será promovido pela Associação Mantenedora Pandorga, de São Leopoldo/RS, que trabalha pelo desenvolvimento e socialização de crianças, adolescentes e jovens adultos com autismo e psicoses graves.
A entidade, na oportunidade, apresentará profissionais renomados que explanarão sobre os mais diversos aspectos do tema. A importância deste encontro se dá em razão de especificidades vividas por pessoas autistas. A sua maioria tem dificuldades na comunicação, interação social e uso da imaginação. Nos casos graves esta condição vem quase sempre associada à psicose, à deficiência mental ou outras síndromes. Podem ter atitudes imprevisíveis de descontrole e de auto-agressão. Muitos tem a capacidade cognitiva limitada. Desta forma, quanto maior for a informação, melhor pode ser a qualidade de vida do autista e de sua família.
Para se inscrever interessados devem anexar a ficha de inscrição que se encontra no site www.pandorgaautismo.org e enviar ao e-mail pandorga.formacao@terra.com.br. O investimento é de R$ 20 para profissionais. Para familiares de autistas, a participação é gratuita.

domingo, 25 de julho de 2010

Software analisa fala de criança e revela propensão a autismo

Um programa de computador é capaz de revelar a predisposição de uma criança ao autismo analisando gravações de sua voz na idade de aprendizagem da fala.
O grupo que criou o software, liderado por Kimbrough Oller, da Universidade de Memphis, criou um método para analisar sílabas e palavras. Para testá-lo, gravou tudo o que 232 crianças disseram durante um dia --as mais novas tinham 10 meses, as mais velhas 4 anos.
O programa, descrito em estudo na edição de hoje da revista "PNAS", conseguiu identificar corretamente o autismo em 86% dos casos. No caso das crianças normais, a análise computacional também conseguiu identificar a sua idade.
Os cientistas perceberam diferenças sutis, entre outras coisas, na maneira como as crianças falam a sílaba "ba", por exemplo. Uma criança normal tende a falar "ba-a", com uma mínima pausa intermediária (muitas vezes imperceptível). Uma autista, não, mostram as análises.
Diagnóstico
"Há muitos anos, vários médicos vêm dizendo achar que crianças autistas falam de modo diferente, mas nunca tinha sido criado um meio prático de usar isso para o diagnóstico", diz Oller.
Os testes foram feitos em inglês, mas Oller acha que não há motivo para acreditar que o programa não funcione com outras línguas.
Hoje em dia, médicos fazem o diagnóstico do autismo utilizando uma série de parâmetros comportamentais e de linguagem. Eles observam, por exemplo, quanto uma criança fala em determinada idade ou quanto ela faz contato visual com as outras pessoas.
"O autismo é multifatorial e possui muitas dimensões de comportamento que devemos considerar. A vocalização é claramente bastante importante, mas eu não acho que ela deva ser utilizada sozinha", diz Oller.
O novo software já foi patenteado pela Fundação Lena, organização sem fins lucrativos à qual pertencem vários dos autores do estudo.

MÃE MATA DOIS FILHOS POR SEREM AUTISTAS?

Saiqa Akhter, de 30 anos, foi acusada de homicídio qualificado pela morte da filha de dois anos e o filho de cinco anos, os dois autistas.
A mulher ligou para o 112 na segunda-feira à noite e depois de se identificar disse ter estrangulado os filhos com uma corda, depois de os ter tentado afogar.
Os paramédicos tentaram reanimar as crianças, mas Zain Akhter morreu no hospital na segunda-feira e a irmã mais nova Faryaal Akher faleceu na terça-feira também no hospital, de acordo com as autoridades.
"Matei-os, matei os dois. Matei os meus dois filhos... eles não fizeram nada. Eles estão azuis. Os seus corações já não batem” , disse Saiqa Akhter no telefonema que fez para o 911 (o 112 americano).
A mãe das duas crianças encontra-se detida no condado de Dallas. De acordo com o departamento de sprotecção de famílias do Texas, a família Akher já teria sido referenciada em 2009 por “supervisão negligente”.

CURSO: 14/08 ATIVIDADES BÁSICAS DE VIDA DIÁRIA - AMA SP

Mãe diz ter sido agredida por controlar filho autista

A proibição de castigos físicos em crianças e adolescentes ainda é um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. Mas, além da polêmica que suscita, também já vem servindo de justificativa para atos de intolerância e para mascarar a falta de conhecimento. A vítima, a mãe de uma criança autista, foi agredida dentro de um ônibus, enquanto tentava conter o surto da criança de 11 anos.
O caso ocorreu na última terça-feira, dia 20, quando a dona de casa Geisa de Oliveira Sapucaia, 37, levava o filho, de 11 anos, para uma consulta odontológica. O problema dentário, que perdura há um ano,  tem deixado a criança irritada e menos acessível à imposição de limites.
Geisa, que mora em Simões Filho, estava num coletivo a caminho do Itaigara, quando o menino começou a tentar arrancar a lâmpada do ônibus. “Tive que contê-lo. Nós, mães de autistas, sabemos como fazer isso sem deixar marcas porque somos instruídas no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e na AMA (Associação de Amigos do Autismo da Bahia)”, diz Geisa. Uma passageira, contudo, desconhecia a situação e revoltou-se. “Você é uma mãe vagabunda. Vá procurar ajuda. Dê a criança para o Conselho Tutelar ”, teria dito a mulher, instigando os demais passageiros – duas pessoas que a acompanhavam e o cobrador.

Geisa admite que ficou nervosa e revidou com xingamentos. Foi então que, segundo seu relato, o cobrador e um passageiro a seguraram e a agressora, de nome Valdineia de Jesus Afonso, de acordo com registro policial, e sua prima, passaram a bater em Geisa. Ela conta que a sessão de chutes e tapas durou cerca de 15 minutos. O motorista teria se mantido impassível fazendo o trajeto do ônibus. “Quase fui linchada. Recebi chutes nas costas e cabeça, tamancada no rosto. Consegui forças para sair da situação. Foi quando me soltei e corri para o motorista”, conta Geisa, mostrando hematomas na cabeça e dizendo estar com dor na nuca, fruto das agressões físicas. 


O grupo parou  na Delegacia de Crimes Econômicos e contra a Administração Pública (Piatã), sendo conduzido por agentes da unidade para a 12ª Delegacia (Itapuã), onde foi registrada a ocorrência e o delegado Jorge Braz expediu a guia para exame médico-legal da mãe e da criança. 
Amélia Vieira, do A TARDE

quinta-feira, 22 de julho de 2010

OLIVER SACKS - Sesc apresenta espetáculo "Cachorro Morto" nesta quarta

O protagonista é portador da Síndrome de Asperger; a história questiona o desejo incessante por entender o mundo

O Sesc Ribeirão apresenta o espetáculo "Cachorro Morto" às 21h desta quarta-feira (21), no galpão de eventos. Os ingressos variam de R$ 2,50 a R$ 10. A classificação é 12 anos.
A peça inspirada na literatura do premiado romance inglês "The Curious Incident of the Dog in the Night-time", de Mark Haddon, "A Música dos Números Primos", de Marcus du Sautoy e no relato "Nascido num Dia Azul", de Daniel Tamme une teatralidade e animação. A história questiona o desejo incessante por entender o mundo.

O protagonista é um portador da Síndrome de Asperger, uma forma de autismo, que sabe tudo sobre matemática e quase nada sobre seres humanos. Ao multiplicar esse protagonista no corpo de cinco atores em cena, cria uma narrativa que transcede fronteiras estabelecidas. Joaquim sabe de cor todos os países do mundo e suas capitais e também todos números primos de quatro algarismos. Luciana gosta do estado de Massachussets, mas não entende nada de relações humanas. Thiago e Maria Amélia adoram relógios, cálculos e verdades absolutas. Aline odeia amarelo e não suporta ser tocada. Todos esses atores mergulham na ficção para emprestar seus corpos e emoções a uma outra vida, confundindo realidade e ficção.

Mais do que entender o transtorno psiquiátrico, o espetáculo quer aproximar os espectadores de um mundo visto por um outro olhar, um outro raciocínio lógico e outras relações afetivas.

Leonardo Moreira é o diretor e dramaturgo do projeto "Cachorro Morto". Como diretor, essa é sua primeira obra profissional, como dramaturgo, foi premiado pelo "Projeto Seleção Brasil em Cena - Novos Dramaturgos", realizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, tendo sido selecionado como um dos Novos Talentos da Dramaturgia Brasileira, com seu texto "Bagagem". Além disso, seu texto "Anônimos" conquistou o Prêmio Miriam Muniz de Teatro em 2007. A Cia Hiato, também concorreu com "ESCURO", a peça que recebeu mais indicações ao prêmio Shell 2010 (texto, direção, atriz, cenário e figurino). Indicação ao prêmio CPT 2010 -dramaturgia.

RAMONES E AUTISMO? EX-RAMONE FALA SOBRE SEU FILHO AUTISTA EM ENTREVISTA

Christopher Joseph Ward, mais conhecido como CJ Ramone, ex-baixista dos Ramones fala sobre seu filho autista:
 
Em outubro, você irá participar da campanha Walk Now for Autism Speaks. Conte-nos sobre esta fundação e por quê você começou a participar desta causa.
Meu filho Liam é autista. Eu tentei fazer o meu melhor, desde que ele foi diagnosticado, para aprender sobre autismo e para encontrar o que eu poderia fazer para ter certeza que ele teria uma vida boa. Eu escolhi a Autism Speaks porque eles gastam grande parte do orçamento em pesquisas. A campanha Walk Now for Autism Speaks é um grande evento de divulgação da fundação e atrai muito dinheiro para os investimentos em pesquisas. Meu time estará presente comigo no evento deste ano em Long Island: minha esposa Denise, nosso bebê Mia, minha filha Lili e, claro, meu filho Liam. Você pode ver este time e obter mais informações no seguinte link: www.walknowforautismspeaks.org/longisland/cjramone.

Leia a entrevista na íntegra no site da WHIPLASH

BRASILEIRO DIRIGE PEÇA SOBRE AUTISMO EM NOVA YORK


Estréia na quinta-feira (22), no T. Schreiber Studio & Theatre em Nova Iorque a peça “Alien Child”, dirigida por Guilherme Parreiras. A história aborda a luta de uma família para lidar com o autismo, e mostra um garoto de 16 anos que tenta se afastar da irmã doente para viver a própria vida.

Escrita por Jim Shankman, a peça mostra um casal já cansado de cuidar de Charlie (Olivia Killingsworth), a garota autista que é irmã gêmea de Jonah (Ken Jansen). A contratação de um terapeuta devolve ao pai, Ben (Michael W. Murray), a esperança de cura, enquanto Sarah (Kelly Haran), a mãe, acredita mais na própria capacidade para cuidar da filha.


Em entrevista por telefone, Guilherme Parreiras falou sobre a peça e a abordagem do tema autismo. Convidado pela T. Schreiber, onde já estudou, o diretor disse que o trabalho antes da estréia é uma oficina, onde todos trabalham o roteiro e desenvolvem os personagens aos poucos. A intenção é fazer uma produção completa no futuro, segundo ele. O autor, de acordo com Guilherme, está presente de vez em quando.


Sobre o tema, o brasileiro disse que o autismo está despertando o interesse público. “Está se tornando uma espécie de epidemia nos Estados Unidos”, disse ele. Segundo estatísticas do Centro de Prevenção e Controle de Doenças, uma em cada 110 crianças americanas nasce com autismo. “Não existe cura, eles (os cientistas) ainda não sabem o que está causando isto”.


O autismo é uma disfunção global do desenvolvimento, que afeta a capacidade de comunicação do indivíduo e de estabelecer relacionamentos. Os cientistas acreditam que a doença seja causada por fatores genéticos e ambientais. Segundo uma pesquisa, se um dos gêmeos idênticos tiver autismo, o outro tem de 60% a 90% de chance de também ter a doença.


Conflitos

De acordo com Parreiras, a peça aborda as dificuldades do dia a dia da família, em relação ao autismo, bem como questões morais. “O que deve ser feito, o que é melhor para a Charlie. Existem opiniões diferentes. A família entra em conflito. Assim como os cientistas ainda não sabem as causas, as pessoas que vivem com isso às vezes também tem dificuldade de lidar com isso”.

O diretor explicou que a peça não tem a intenção de oferecer sugestões de como lidar com o autismo ou uma resposta, e sim mostrar como é a vida de uma família que convive com o autismo. Para dirigir “Alien Child”, Guilherme leu artigos e assistiu a vários documentários. Nos filmes, teve a oportunidade de ver os diferentes tipos de autismo. “Assisti cerca de 10 documentários”.


Através da dramatização do assunto, Parreiras e o elenco esperam abrir mais debates entre o público.


O elenco de “Alien Child” conta com ainda com Pat Patterson, no papel de Ms. Ravitch, e Meghan Wilson, que interpreta Sally. A exibição vai de 22 a 25 de julho, e de 30 de julho a 1° de agosto. Os ingressos custam $5 (admissão geral). Reservas através do e-mail
Theatre@tschreiber.org. O T. Schreiber Studio & Theatre fica no 151 W 26th Street, telefone (212) 741-0209.

BALBUCIAR DE BEBÊS PODE AJUDAR A IDENTIFICAR AUTISMO

Cientistas descobriram que é possível identificar o autismo em bebês a partir dos barulhos que eles fazem. Uma pesquisa mostrou que o balbuciar das crianças que têm o transtorno não é o mesmo das consideradas normais - com base em uma tecnologia de análise de voz automática usada para identificar as diferenças com 86% de precisão. O sistema também conseguiu distinguir dificuldades no desenvolvimento da fala.
Steven Warren, especialista em transtornos do espectro autista (ASD, sigla em inglês) da Universidade do Kansas, participou do estudo e disse que “essa nova tecnologia pode ajudar pediatras a diagnosticar crianças com ASD e determinar se o paciente deve ser encaminhado a um especialista para que o tratamento seja mais eficiente”, disse ao jornal inglês Daily Mail. Autismo é identificado pela inabilidade de se comunicar ou se relacionar com os outros, falta de habilidades sociais, traços obsessivos e comportamento repetitivo.
Os cientistas americanos analisaram 1.500 gravações de dispositivos que foram colocados junto às roupas de 232 crianças entre 10 meses e 4 anos de idade. No total, mais de 3 milhões de amostras de fala de crianças foram observadas, com base em 12 parâmetros específicos de som associados ao desenvolvimento da voz. Os mais importantes foram aqueles envolvendo a silabificação - habilidade para produzir sílabas com movimentos rápidos da língua e maxilar, que ajudam a formar a base das palavras.
Distinções - Em crianças autistas com até 4 anos, houve uma diferença entre os valores de parâmetro esperados e a idade. As características vocais não são usadas para diagnosticar o autismo, mesmo que a ligação entre eles tenha sido indicada antes. “Um pequeno números de estudos sugeriram que crianças com autismo têm uma assinatura vocal diferente. Mas, até agora, não podíamos usar o conhecimento nas aplicações clínicas por causa da falta de tecnologia de medição”, disse Warren.
Os pesquisadores acreditam que o novo sistema pode fazer uma grande diferença no diagnóstico, avaliação e tratamento do autismo. “A física da fala humana é a mesma em todas as pessoas, até onde sabemos”, concluiu Warren.

terça-feira, 13 de julho de 2010

A DENTISTA QUE DESAFIA O AUTISMO - REPORTAGEM ÉPOCA

CRISTIANE SEGATTO
Filipe Redondo/ÉPOCA
OLHOS NOS OLHOS
Adriana e Juca no consultório montado na quadra da escola de samba Unidos de Vila Maria. Brinquedos a ajudam a estabelecer contato visual com os autistas

  
Reprodução
Num consultório modesto no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte de São Paulo, a dentista Adriana Gledys Zink atende pacientes especiais. Muito especiais. Ela se dedica aos autistas. Não apenas aos autistas mais colaborativos – aqueles que falam, estudam e podem até chegar ao mestrado. Adriana também socorre, de uma forma inusitada, os chamados autistas de baixo funcionamento. Aqueles que não falam, usam fralda e, quase sempre, são violentos.
Entre seus pacientes, há a mulher de 35 anos que arrancou um pedaço da bochecha da fonoaudióloga com uma mordida. Há também o menino que mastigou a falange do dedo da irmã. E ainda o pré-adolescente que arrebentou os dentes frontais da mãe. Como, então, Adriana consegue conduzi-los até a cadeira, fazer com que abram a boca e aceitem receber uma limpeza, uma restauração ou até mesmo a extração de um dente comprometido?
“Adriana é nossa encantadora de autistas”, diz Waldemar Martins Ferreira Neto, um dos sócios da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD). “Ela tem um dom especial. Às vezes ninguém consegue controlar uma criança, mas ela se acalma quando Adriana faz contato.” Não há mágica nessa história. Há um inspirador exemplo de dedicação. Em 2003, Adriana decidiu fazer especialização em pacientes especiais na APCD porque se comoveu com a situação das famílias. “Mesmo quem pode pagar não encontra dentistas dispostos a cuidar de autistas”, diz.
Quando precisa de atendimento odontológico (mesmo que seja uma simples limpeza), a maioria dos pacientes é internada num hospital para receber anestesia geral. Adriana decidiu tentar fazer diferente. Passou a frequentar reuniões de famílias de autistas, estudou os métodos de aprendizagem disponíveis e conseguiu adaptar algumas técnicas para a odontologia. Sua principal inspiração foi o método Son-Rise, criado nos Estados Unidos nos anos 70 pelos pais de um autista. A história dessa família foi retratada no filme Meu filho, meu mundo. O método incentiva os pais e os terapeutas a observar as preferências dos autistas e usá-las como recursos de aprendizagem. Outro método usado pelas famílias é o Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (Pecs, na sigla em inglês). Por meio de figuras, a criança aprende a comunicar suas necessidades e a entender que uma atividade acabou e outra vai começar.
Adriana criou Pecs específicos para a odontologia. É assim que ela apresenta a máscara, a cadeira, o chuveirinho etc. Às vezes, precisa de quatro sessões só para conseguir convencer o paciente a sentar-se na cadeira. Quando isso não é possível e o procedimento necessário é simples, ela atende a criança no chão. Adriana quer que o método receba respaldo científico. Encaminhou um projeto de pesquisa à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e aguarda o resultado. Depois de comprovar a eficácia de sua abordagem, Adriana pretende ensiná-la a outros dentistas.
“Mesmo quem pode pagar não encontra
dentistas dispostos a cuidar de autistas”, diz Adriana
Todas as quartas-feiras, ela cuida gratuitamente de autistas, deficientes mentais (e de qualquer outro paciente que aparecer) no projeto social da escola de samba Unidos de Vila Maria. Até os 14 anos, Matias Cabral de Lira Junior (o Juca) nunca tinha ido ao dentista. Ele é deficiente mental e apresenta sinais de autismo. Embora não seja agressivo, Juca não fala e não engole a saliva. Também faz movimentos contínuos comuns entre os autistas, como sentar-se numa cadeira e balançar o tronco para baixo e para cima, sem parar. Há dois anos, Adriana conheceu Juca no consultório da escola de samba. Ele mora com a mãe num apartamento do Cingapura (conjunto habitacional popular que substituiu algumas favelas na capital paulista). Nunca estudou. “Tentei de tudo, mas nunca consegui matriculá-lo numa escola”, diz a dona de casa Marly Zulmira da Conceição, de 44 anos. A primeira providência de Adriana foi fazer uma longa entrevista com a mãe. Precisava conhecer todos os gostos de Juca. O que lhe agrada e o que o incomoda. Para que o trabalho dê certo, Adriana precisa de detalhes. Detalhes colhidos sem pressa.“Essas informações me ajudam a encontrar uma forma de entrar no mundo do paciente.”
No primeiro encontro, Juca não olhava nos olhos de Adriana. Tremia quando ela encostava nele. Para tentar estabelecer algum contato visual com o garoto, Adriana experimentou vários brinquedos. Bolinhas de sabão, desenhos, bichos de pelúcia. A única coisa que despertava o interesse de Juca era um carrinho emborrachado. Aos poucos, Adriana foi empurrando o carrinho para dentro do consultório. Juca o seguiu. Com fita-crepe, Adriana prendeu o brinquedo no refletor instalado acima da cadeira de dentista. Juca sentou-se na ponta da cadeira e levantou a cabeça para espiar o carrinho. Adriana acomodou uma das pernas dele sobre a cadeira e afastou-se um pouco para ver como reagia. Como ele ficou bem, a dentista acomodou a outra perna.
Depois de dois anos de acompanhamento, Juca está acostumado a Adriana e seus apetrechos. Na última sessão, quem saiu da caixa de brinquedos foi um Chico Bento de borracha. Ela movimentava o personagem encaixado sobre o dedo indicador direito enquanto, com outros dois, tentava relaxar o queixo de Juca.
– Abra a boca para o Chico olhar – Adriana pedia.
– Ahhhhhh – ele respondia.
Juca parecia seguro. Apesar de todas as limitações, a comunicação entre eles fluía. Adriana conseguiu de novo.

AUTISTAS TAMBÉM TÊM CAPACIDADE DE JOGAR


Portuguesa é a primeira doutorada em Educação Especial

por Alexandra Serodio


Após seis anos de investigação, Ana Saldanha conseguiu criar um instrumento único que permite avaliar a capacidade de jogo das crianças com autismo. A descoberta valeu-lhe nota máxima com distinção e torna-a na única portuguesa doutorada em Educação Especial.
 



Aos 30 anos, a maioria dos quais agarrados a livros, Ana ostenta um sorriso rasgado e não esconde o orgulho do trabalho realizado. Ontem, segunda-feira, na Universidade da Extremadura, pólo de Badajoz, defendeu durante cinco horas a tese “O Jogo  em Crianças com Transtorno  do Espectro Autista (TEA): Desenvolvimento  de um  Instrumento  de Avaliação”.
“Este é o fruto de alguns anos de investigação na área do Autismo” assegura Ana, revelando que a tese “surge pela carência de métodos/provas de Avaliação do Jogo Simbólico em Crianças Autistas”. A investigadora acredita e provou que “as crianças com autismo têm capacidade de jogo” apesar de “alguns autores discordarem”.
“Tanto para as crianças com incapacidade como os que não contam com ela, têm direito ao jogo e ao acesso aos brinquedos” explica Ana, admitindo que “os primeiros encontram sérias dificuldades para poder usar muitos dos jogos e brinquedos do mercado”.
Para a recém doutorada, o jogo “permite desenvolver a própria capacidade física e mental, sendo uma fonte de auto afirmação, satisfação e prazer”. O jogar “significa ser activo e preparar-se para a vida adulta”, afiança.
Depois do trabalho desenvolvido com 45 crianças espanholas, o novo instrumento de avaliação de Ana Saldanha permitiu demonstrar que “as crianças com TEA têm capacidade para poder desenvolver o jogo simbólico”, e ainda “comprovar que nesse jogo podem identificar-se dimensões que fazem referência a diferentes habilidades intelectuais específicas”.
A investigadora lembra que “o autismo é uma síndrome que ultimamente tem tido um maior enfoque de investigação”, devido ao facto de “actualmente, surgirem nas escolas e nos centros educativos uma quantidade considerável de crianças com esta perturbação”. Mesmo assim, realça “deparamo-nos no dia-a-dia com uma grande dúvida no diagnóstico diferencial, entre autismo e nomeadamente o atraso mental”.
Durante a investigação dividida entre Portugal e o país que escolheu para estudar, Espanha, Ana percebeu de imediato as grandes diferentes existentes. “Em Espanha trabalha-se em equipa. Os médicos, pediatras, psicólogos e outros especialistas trabalham em conjunto em prol da pessoa e isso não se vê em Portugal”, realça, assegurando que no caso do autismo “é importantíssimo este tipo de união entre todos”.
Defendendo que “a intervenção precoce é fundamental para o futuro das crianças com autismo”, Ana assegura que uma pessoa com autismo “pode ter qualidade de vida e até trabalhar”, basta para isso que “seja ajudada e estimulada”. Reforçando a necessidade de distinguir “autismo de doença mental”, a investigadora acredita que o instrumento de trabalho que desenvolveu permitirá dar mais felicidade aos autistas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Pesquisadores de diversas universidades dos EUA estão desenvolvendo máquinas capazes de ensinar humanos

Estudantes, conheçam o Sr. Robô, seu novo professor

The New York Times | 12/07/2010 13:29
O menino de seis anos de idade e cabelos escuros brincava com um novo companheiro. Os dois se entenderam imediatamente - algo incomum para um menino que tem autismo - e a criança imitava todos os movimentos de seu colega, seja sacudindo a cabeça ou levantando os braços. “Como na brincadeira de siga o mestre", disse a mãe do menino, sentada ao seu lado no chão.

Mas logo ele se retrai. Em um vídeo feito do encontro, ele é visto cobrindo as orelhas e se encostando contra a parede. Mas o companheiro, um robô de 90 centímetros em fase de testes na Universidade do Sul da Califórnia, mantém contato visual e realiza outro movimento, levantando um braço. O braço do menino segue a instrução - e agora ele sorri para a máquina.
Em alguns laboratórios espalhados pelo mundo, cientistas da computação estão desenvolvendo robôs como este: máquinas altamente programadas que podem interagir com pessoas e lhes ensinar habilidades simples, como tarefas domésticas, vocabulário ou, como no caso desse menino, brincar de imitação.
Até agora, os ensinamentos são básicos e feitos através de ajustes experimentais. Além disso, os robôs ainda não foram completamente desenvolvidos e se parecem com uma mistura de peças em movimento que, como máquinas especiais, são capazes de fazer algumas coisas às custas de outras.
Mas os modelos mais avançados são completamente autônomos, guiados por softwares de inteligência artificial capazes de reconhecer movimento ou fala, que os ajudam a interagir o suficiente com os humanos a quem almejam ensinar.
Segundo os pesquisadores, o ritmo da inovação é tal que essas máquinas podem em breve começar a aprender enquanto ensinam, se transformando assim no tipo de instrutor paciente e altamente informado que seria eficiente no ensino de temas como uma língua estrangeira ou terapias repetitivas usadas para o tratamento de problemas de desenvolvimento, como o autismo.
Lições de Rubi
“Kenka”, disse a voz infantil. “Ken-ka”.
Sobre um tapete de estampa de bolinhas em uma pré-escola no campus da Universidade da Califórnia, San Diego, um robô chamado Rubi ensina finlandês a um menino de três anos.
O robô RUBI interagindo com crianças durante testes na Universidade da Califórnia, em San Diego
Rubi se parece com um computador comum que criou vida: um torso-tela sobre um par de sapatos, braços mecânicos e uma cabeça do tamanho de uma lancheira, com câmeras, microfone e capacidade de fala. Rubi usa uma bandana em volta do pescoço e um sorriso fixo, sob grandes olhos de plástico.
Ele pega um tênis branco e diz kenka, a palavra finlandesa para sapatos, antes de colocá-lo de volta no chão. "Sinta. Eu sou um kenka". Em um vídeo dessa conversa, o menino pega o tênis, diz "kenka, kenka" - e segura o sapato para que o robô o veja.
Na sala de aula de San Diego onde Rubi ensin finlandês, pesquisadores estão descobrindo que o robô permite que crianças pré-escolares se saiam significativamente melhor em provas, em comparação com aquelas que te uma aprendizagem menos interativa, como a disponível em fitas.

Pesquisadores em robótica social - um ramo da ciência da computação dedicada a melhorar a comunicação entre humanos e máquinas - na Honda Labs em Mountain View, Califórnia, encontraram um resultado semelhante com o seu robô, uma máquina de 90 centímetros chamada Asimo, que parece uma astronauta em miniatura. Em uma sessão de 20 minutos o robô ensinou os estudantes de uma escola primária como definir uma tabela - melhorando a sua precisão em cerca de 25%, de acordo com um estudo recente.
Fazendo a conexão
Em um laboratório da Universidade de Washington, Morphy, um robô do tamanho de uma caneca de cerveja , chama a atenção de uma menina para que olhe para um brinquedo. Sem sorte, a menina não segue o seu olhar, como faria com um ser humano.
Em um vídeo feito durante o experimento, em seguida a garota vê o robô "acenando" para um adulto. Agora ela está interessada - ver a interação da máquina a registra como um ser social no cérebro jovem. Ela começa a seguir o que o robô está olhando para a direita, esquerda e para baixo. A máquina provocou o que os cientistas chamam de seguir um olhar, um primeiro passo essencial de intercâmbio social.
"Antes de que tenham a língua, as crianças prestam atenção ao que eu chamo de pontos de informação", para onde sua mãe ou seu pai estão olhando, disse Andrew N. Meltzoff, psicólogo que é co-diretor do Instituto Universitário para a Aprendizagem e Ciências do Cérebro. Assim, segundo ele, é como o aprendizado tem início.
Esta constatação básica, que será publicado ainda este ano, é uma das dezenas de estudos de um campo conhecido como computação afetiva que está ajudando os cientistas a descobrirem exatamente quais características de um robô podem torná-lo mais convincentemente "real" como um parceiro social, um auxiliar, um professor.
Os pesquisadores de San Diego descobriram que se rubi reagir a uma expressão ou comentário de uma criança muito rápido ele perde a interação - o mesmo acontece se a resposta for muito lenta. Mas se o robô reagir dentro de aproximadamente um segundo e meio, a criança e a máquina não têm problemas de sincronia.
Uma forma de iniciar este processo é fazer com que uma criança imite os movimentos físicos do robô e vice-versa. Em um estudo contínuo financiado pelo Instituto Nacional de Saúde, os cientistas da Universidade de Connecticut estão realizando sessões de terapia para crianças com autismo utilizando um robô francês chamado Nao, um humanóide de 2 metros que mais parece um elegante brinquedo Transformer. O robô, controlado remotamente por um terapeuta, demonstra artes marciais chutes e socos e encoraja a criança a seguir o exemplo e, depois, incentiva a criança a liderar.
Esse simples mimetismo parece construir uma espécie de confiança e aumentar a sociabilidade, disse Anjana Bhat, professora assistente do departamento de educação que está dirigindo o experimento.
Aprendendo com os humanos
“Você tem alguma dúvida, Simon?”. Em uma manhã de uma segunda-feira recente, Crystal Chao, estudante de robótica do Instituto de Tecnologia da Georgia, ensinava um robô de 1m50 chamado Simon a guardar brinquedos. Ela deu algumas instruções - a flor vai na caixa vermelha, os blocos na caixa azul - e Simon guardou corretamente os objetos. Mas agora o robô estava confuso, sua cabeça pendendo para a frente, seus olhos piscando diante de um regador verde de brinquedo.

Chao repetiu a pergunta. “Deixe-me ver”, disse Simon, com uma voz robótica e infantil, pegando o regador. “Você pode me dizer onde guardar isso?”
“Na caixa verde”, foi a resposta. Simon aquiesceu, colocando o brinquedo na respectiva caixa. “Faz sentido”, disse o robô.
Além de identificar movimento e reconhecer línguas, Simon acumula conhecimento através da experiência. Não são apenas os humanos que podem aprender com as máquinas, as máquinas também podem aprender com os humanos, disse Andrea Thomaz, professor adjunto de computação interativa no Instituto de Tecnologia Georgia, que coordena o projeto.
Essa capacidade de monitorar e aprender com a experiência é a próxima grande fronteira para a robótica social - e provavelmente depende, em grande parte, de desvendarmos os segredos sobre como o cérebro humano acumula informações durante a infância.
Em San Diego, os pesquisadores estão tentando desenvolver um robô de aparência humana com sensores que se aproximam da complexidade das habilidades de uma criança de um ano de idade para sentir, ver e ouvir. Os bebês aprendem, aparentemente sem esforço, experimentando, imitando, movendo seus membros. Pode uma máquina com inteligência artificial fazer o mesmo? E que tipo de sistemas de aprendizagem seriam necessários?
O grupo de pesquisa comprou um robô de US$70.000 construído por uma empresa japonesa, que é controlado por um sistema de pressão pneumática que atua como seus sentidos, na verdade ajudando a mapear o ambiente de "sentimentos", além de "ver" com câmeras embutidas. E essa é a parte mais fácil.
Os pesquisadores querem nada menos do que capturar o fundamento da aprendizagem humana - ou, pelo menos, o equivalente na inteligência artificial. Se os robôs podem aprender a aprender, por conta própria e sem instrução, eles podem, em princípio, se tornar professores que atendam às necessidades de uma classe ou mesmo de uma única criança.
* Por Benedict Carey e John Markoff. Choe Sang-Hun contribuiu com reportagem de Seoul.

GRATUITO! I SEMINÁRIO TRANSDISCIPLINAR SOBRE AUTISMO E EDUCAÇÃO - PRESENCIAL E À DISTÂNCIA NA UFSM

I SEMINÁRIO TRANSDISCIPLINAR SOBRE AUTISMO E EDUCAÇÃO

Obrigada à Patrícia Lourega de Panambi/RS por me enviar material para divulgação!
Um grande abraço a todos,
Amanda

O I Seminário Transdisciplinar Sobre Autismo e Educação será um evento realizado no Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pretende funcionar como momento para a troca de conhecimentos e experiências entre os participantes mediante a criação de um espaço de diálogo e interação. 
O objetivo será de fornecer informação multidisciplinar, especializada e cientificamente embasada aos estudantes, profissionais e familiares de autistas a respeito do tema Autismo e outros Transtornos Globais do Desenvolvimento.
Os temas que serão discutidos no seminário abordarão desde os conhecimentos da área médica até as questões educacionais do aluno com o autismo. 
Serão ao todo 6 palestras entre Julho e Dezembro de 2010, ocorrendo mensalmente ás quintas-feiras, das 19:00 ás 20:30hs.

As inscrições serão gratuitas, mas devem ser solicitadas através site  do grupo de pesquisa promotor do evento EDUCAÇÃO ESPECIAL E AUTISMO.
As inscrições ocorrerão de duas maneiras: presencial ou á distância.
1)    Presencial: As inscrições serão realizadas no hall do Centro de Educação a partir do dia 24 de junho para aluno de graduação e no site para professores, profissionais de outras áreas, familiares e alunos de pós-graduação interessados no tema. O auditório Audimax do Centro de Educação conta com 120 lugares e será oferecida uma cota de 80 destes para cada grupo interessado (professores, profissionais de outras áreas, pais)e o restante para alunos interessados no evento.
2)    À distância: As inscrições devem ser feitas no site, preenchendo um cadastro com suas informações pessoais. Essa modalidade terá 4000 vagas e as palestras serão assistidas pela internet.
*Para cada palestra é necessária uma nova inscrição, confirmando a sua participação.
Inscrições para o evento clique aqui: www.ufsm.br/autismo/eventos

sexta-feira, 9 de julho de 2010

MATÉRIA: De onde vem a força das mulheres que têm filhos especiais?

 Reprodução
CRISTIANE SEGATTO
Muita obrigada Cristiane por ter me enviado o link através do facebook.
Agradeço também à Adriana Gledys Zink, mencionada na reportagem. Amanhã na Revista Época sairá uma reportagem sobre autismo escrita pela Cristiane tendo Adriana como uma das entrevistadas.
Acesse o blog da Adriana e aprenda mais sobre Autismo e Odontologia!

Um grande abraço.
Amanda Bueno ***amandabueno.autismo@gmail.com 
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
“Conheça a vida selvagem: tenha filhos”. Sempre me divirto quando vejo esse adesivo colado no vidro de algum carro. Essa frase é a mais pura verdade. A maternidade nos aproxima das fêmeas de todas as espécies. Em nenhuma outra fase da vida percebemos tão claramente o papel animalesco que a natureza nos reserva.Viramos leoas que se desdobram para cuidar da cria, alimentá-la, protegê-la e – principalmente – amamentá-la.

Sim. Não importa se a mulher é uma executiva empertigada, uma intelectual inatingível, uma operária calejada. Quando o filho nasce, ela vira um peito. Ou melhor: dois. Nada do que a mulher fez na vida ou ainda pretende fazer tem importância diante da função especialíssima de ser a única fonte de alimento de um ser que acabou de chegar. Um ser que vai crescer, ajudar a povoar o mundo e tocar em frente a grande aventura do
Homo sapiens.

Quando eu amamentava a Bia (hoje uma moça de 10 anos) eu me sentia um par de peitos. Nas primeiras semanas, ela mamava a cada hora e meia. Eu vivia para isso. Minha função nesse mundo – de manhã, de noite, de madrugada – era amamentar. E, claro, trocar fralda, embalar, acalmar o choro, dar banho, lavar roupa etc, etc, etc. Quando ela mamava e dormia, eu ganhava uns 90 minutos de folga. Aí não sabia o que fazer com eles. Tomar uma ducha? Almoçar? Colocar as pernas para cima?


Eu era tão “sem noção” que três dias antes da Bia nascer fui à livraria comprar
Guerra e Paz. Achava que a licença-maternidade fosse uma espécie de período sabático, o momento ideal para ler aquelas 1.349 páginas que faziam tanta falta na minha cultura geral. Tolinha. Só fui conseguir preencher essa lacuna quando ela completou três anos.

Os primeiros tempos da maternidade foram, sem dúvida, a fase mais selvagem da minha vida. Acordava cheia de energia, pulava da cama e, quando a Bia deixava, tomava um banho revigorante. Às 7 horas tomava um café da manhã reforçado enquanto assistia ao Bom Dia Brasil. Depois passava o dia inteiro em função da cria. Decidi que nos primeiros meses não pediria ajuda a mãe, sogra ou babá. Queria ser mãe em tempo integral. Queria ter liberdade para errar, acertar, aprender.


Naquele inverno de 2000, meus dias eram amamentar. Nos intervalos, corria para o tanque (que ficava no quintal, ao ar livre) e lavava na mão, com sabão neutro, a montanha de roupinhas frágeis de bebê. O vento gelado batia no meu rosto, mas eu tinha uma disposição para cuidar das coisas da minha filha que só a natureza pode explicar. Meu gasto calórico devia ser brutal. Almoçava pratos gigantescos e, ainda assim, só emagrecia. No Spa da Selva, perdi rapidamente mais de 10 quilos.


À noite, a pilha acabava. Às 22 horas, estava exausta. Dormia profundamente e mal conseguia abrir os olhos durante a mamada da meia-noite. Eu e o pai da Bia desenvolvemos uma técnica animal. Eu levantava um pouco o tronco e recostava no travesseiro. Ele segurava a Bia e acoplava a boca dela no meu peito. Ela mamava, eu dormia. Ele ficava com ela no colo por um tempo e depois a devolvia no berço. Nessa hora eu já estava no melhor do sono. Às quatro da manhã, me sentia recuperada. Pronta para a maratona de mamadas e afazeres de mais um dia. Pronta para sobreviver na selva e garantir a sobrevivência da minha cria.


Com o tempo, as obrigações mudam. Mas a vida selvagem dura pelo menos até a criança completar três anos. Aos poucos fui recuperando várias liberdades que haviam sido confiscadas pela maternidade. Hoje, com uma filha de dez anos, estou praticamente alforriada. Aproveito para respirar profundamente. Afinal, há quem diga que a verdadeira vida selvagem começa quando o filho chega à adolescência. Será mesmo? Que venha a nova selva, então. No lugar da leoa incansável, ela vai encontrar a leoa maleável. Muito mais do que era a moça que pariu aos 30 anos. A natureza é mesmo sábia.


Por tudo isso (e muito mais), sempre me considerei uma mãe dedicada. Eu me achava uma ótima mãe até conhecer a mãe do Idryss Jordan. Perto do que ela faz pelo filho, o que fiz pela minha é uma espécie de passeio no parque, com direito a pipoca e algodão doce. Vida selvagem não é a minha. É a dela. Posso ser uma mãe dedicada. Ela é mãe coragem.


Idryss Jordan tem 11 anos. É autista. Não é um daqueles autistas portadores da síndrome de Asperger (que falam, avançam nos estudos e podem até chegar ao mestrado, como eu contei numa
reportagem publicada em ÉPOCA há dois anos). Idryss é um autista de baixo rendimento. Não fala, usa fralda, precisa ser vestido, trocado, alimentado e cuidado 24 horas por dia. Muitas vezes se debate e se torna agressivo.

Aos 39 anos, Keli Mello, a mãe coragem, já precisou consertar os dentes da frente. Eles foram quebrados pelo filho. Se você acha que a criança que tem em casa lhe dá trabalho demais, espere até conhecer a história de Keli, uma gaúcha de Três de Maio que vive há duas décadas em São Paulo. Não sei de onde ela tira energia para enfrentar o que enfrenta. Por sorte (ou por destino), Keli é casada com Silvio Jerônimo de Teves, um pai coragem.

A dedicação e o amor incondicional que esse casal oferece ao filho fazem qualquer um se arrepender de algum dia ter dito que criança dá trabalho demais. Quem tem um filho saudável não sabe o que é trabalho. Keli e Silvio vivem para o filho (e para a filha Hyandra, de 5 anos, que não tem a doença). Não podem trabalhar fora de casa. Quando o autismo do filho se manifestou, Keli abandonou o trabalho de auxiliar de fisioterapia.


Virou artesã. No período em que Idryss está na escola, Keli faz panos de prato e toalhas. Silvio prepara o almoço e o jantar. Idryss não aceita comida esquentada. Se ela não for fresquinha, ele percebe e não come. Depois de cuidar da alimentação da família, Silvio sai para entregar as encomendas do artesanato que Keli produz. São movidos pelo amor e acreditam que o garoto é capaz de senti-lo e retribuí-lo. “Autista não é robô. Ele sabe amar. Se peço um beijo, Idryss me dá o rosto”, diz Keli.


Nos momentos de grande agitação – quando Idryss se morde e pode agredir quem estiver perto – a única coisa que o acalma é o metrô. Isso mesmo. Ele tem fixação pelo metrô. Quando não consegue controlar o garoto, o que Keli faz? Pega o metrô na estação Tucuruvi e vai até o Jabaquara. Depois volta até o Tucuruvi. Se precisar, vai novamente ao Jabaquara e retorna ao Tucuruvi.


Cruza São Paulo de norte a sul (são 23 estações em cada trecho) para acalmar Idryss. Na bolsa, leva o almoço do garoto acondicionado num pote plástico. Quando ele fica menos agitado, saltam na estação Parada Inglesa. Keli procura duas cadeiras vazias na beira dos trilhos, com vista privilegiada para o trem. Abre o pote, retira uma colher da bolsa e alimenta Idryss. A plataforma do metrô é sua sala de jantar.


Conheci essa família há alguns dias quando fazia uma reportagem sobre o trabalho da dentista Adriana Gledys Zink. Ela será publicada amanhã (10/07) na edição impressa de Época. As famílias dos autistas enfrentam todo tipo de desassistência. Não encontram vagas em escolas preparadas para lidar com o problema, não encontram atendimento médico adequado e, como é de se imaginar, não encontrar dentistas dispostos a atender autistas. Quando essas crianças precisam de tratamento odontológico (mesmo que seja uma simples limpeza) costumam ser internadas num hospital para receber anestesia geral.


“Mesmo quem pode pagar, não encontra dentistas dispostos a cuidar de autistas. Eles sequer vêem o paciente. Simplesmente informam que não os atendem”, diz Adriana. Ela decidiu tentar fazer diferente. Depois de se especializar em pacientes especiais na Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD), frequentar reuniões de famílias autistas e estudar os métodos de aprendizagem disponíveis, ela criou algumas técnicas que lhe permitem se aproximar desses pacientes. Na maior parte dos casos, ela consegue cuidar dos dentes dessas crianças (e também de adultos) no consultório, sem anestesia geral.


O processo é longo. Exige extrema dedicação das famílias e da dentista. Às vezes, ela precisa de quatro sessões (ou mais) só para conseguir levar a criança até a cadeira. Quando isso não é possível e o procedimento necessário é simples (uma limpeza, por exemplo), atende a criança no chão. O entusiasmo de Adriana surpreendeu a família de Idryss. “Essa dentista não existe. Acho que estou sonhando. Ela senta no chão com meu filho, tenta de tudo e não olha no relógio para ver se a sessão acabou”, diz Keli.


Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho especialíssimo que Adriana e o marido (o dentista Marcelo Diniz de Pinho) realizam,
acesse o blog. Para ver Adriana em ação e conhecer Keli e Idryss, assista a esse vídeo: http://www.youtube.com/user/zinkpinho#p/a/u/1/ou7PVTWnfoA


Keli, Idryss e Adriana me deram uma lição de vida. Agradeço todos os dias por ter uma profissão que me permite encontrar gente tão especial. Saio de cada reportagem melhor do que entrei. Graças à enorme generosidade dessa gente que confia em mim e divide tanto comigo. Muito obrigada a todos – mães e pais coragem, entrevistados e leitores. Saio de férias hoje. Essa coluna volta no dia 06 de agosto. Espero voltar com as baterias recarregadas e os sentidos bem calibrados para mais um semestre de intensa troca com vocês. Até lá.


(
Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)

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